Uma afronta à Constituição’

Rubens Nóbrega

Ao contrário do que dizem os mais aguerridos críticos da Pec 37, a polêmica proposta de emenda constitucional prestes a ser votada no Congresso não vai acabar com nenhum poder do Ministério Público de investigar crimes porque esse poder simplesmente inexiste perante a lei e a Constituição da República.

Quem afirma tal coisa com muita convicção é o Delegado de Polícia Civil Flávio Craveiro, atual coordenador da Assessoria Jurídica da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Ele é autor do incisivo artigo intitulado ‘Ministério Público e o seu exercício de investigação criminal: uma afronta à Constituição Federal’, sobre o qual dei um toque na coluna de ontem, prometendo para hoje uma ‘degustação’ da peça. Vamos lá.

Professor de Direito Administrativo, Penal e Processual Penal, Craveiro intervém com muita qualidade no debate sobre a Pec 37, vista pelo MP como grande ameaça ao poder da instituição de investigar, sobretudo, corruptos e corruptores.

“Esse argumento pode funcionar para a mídia ou até mesmo para a sociedade leiga ao direito”, rebate Craveiro, observando que tal “não se sustenta dentro de um Estado Democrático de Direito, em que as normas constitucionais e legais devem ser respeitas e devidamente cumpridas”.

O delegado assegura que nos conformes do art. 129 da Constituição Federal “não se encontra dentre as funções institucionais do Douto Parquet a de investigar crimes, seja qual for a natureza delitiva”. E acrescenta que o MP vive “uma crise de identidade”, pois não consegue se encontrar do dentro de sua principal atribuição, constitucionalmente delineada, que é o de fazer o papel do Estado acusador, deixando para a Polícia Judiciária a prerrogativa de Estado investigador e, para o Judiciário, a função do Estado juiz.

Trechos mais ‘quentes’

Como não cabe por inteiro neste espaço o artigo do Professor Craveiro, selecionei e reproduzo adiante alguns trechos do escrito que farão o leitor concordar comigo quanto à competência do autor na defesa de suas teses.

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• … investigação criminal procedida no âmbito do MP não goza de nenhuma previsão ou limite legal, já que não possui forma, controle, prazo para sua conclusão, e muito menos respeito mínimo aos direitos constitucionais fundamentais individuais.

• O indivíduo quando investigado por aquele órgão muitas vezes passa meses ou até anos sem tomar conhecimento de tal fato.

• A Lei Maior traz sim, entre funções institucionais do Ministério Público, em seu art. 129, inciso VII, o poder do exercício do controle externo da atividade policial.

• … ele pode sim (…) participar ativamente (…), mas dentro de suas atribuições constitucionais e legais, zelando e cuidando para que haja um inquérito bem feito, com produção de provas robustas, com respeito às garantias constitucionais…

• … até que ponto uma instituição realmente detém independência funcional, quando o seu representante maior é escolhido pelo chefe do executivo?

• … a investigação criminal não é o único meio de se combater a corrupção, já que o MP dispõe da ação de improbidade, regida pela Lei n.º 8.429/92, em que os efeitos da condenação são até mais eficazes do que o contido na condenação penal, pois atinge o patrimônio e os direitos políticos daquele que enriquece ilicitamente.

• O MP não é imaculado e muito menos é o “salvador da pátria”. É formado por homens e mulheres com virtudes e defeitos, e consequentemente, também, a exemplo de outras instituições e corporações, possui membros probos e improbos.

• Não resta dúvida que a corrupção deve ser combatida, mas respeitando as normas constitucionais e processuais. O bom seria se existisse, de fato, uma polícia judiciária forte, com todas as garantias para o exercício de sua função precípua. Aí sim teríamos a instituição preparada para um melhor enfrentamento da corrupção que impera no meio político e institucional, sem nenhuma ingerência de qualquer natureza, que pudesse atrapalhar o bom e regular andamento das investigações criminais.

Ainda assim, data vênia…

Como disse, o Professor Craveiro expõe e defende muito bem o seu ponto de vista, mas nessa peleja acosto-me ao Ministério Público. Primeiro, porque se não existe é preciso criar urgentemente norma que dê previsão legal ao trabalho investigativo do MP.

Segundo: em matéria de crime, quanto mais investigação melhor, inclusive as que puderem ser feitas pelas vítimas diretas e indiretas dos crimes, em especial aqueles praticados contra o erário. Terceiro, porque sonho em viver o suficiente para ver no meu país uma Polícia preparada, equipada, qualificada, ultra, hiper, super profissional, mega bem remunerada e, principalmente, livre do jugo do Poder Executivo.

Sério. Sonho mesmo com o dia em que a Polícia Judiciária (Civil e Federal) deixará de ser um braço de governo, que muitas vezes usa a tropa ou a instituição para fins políticos, até arbitrários e violentos. Seria o ouro se uma reforma constitucional transformasse a Polícia em braço operacional do MP, mas – aí concordo inteiramente com o Professor Craveiro – de um MP verdadeiramente independente da vontade e dos projetos políticos de quem nomeia seus chefes.